“Porquê Exu fuma e bebe?”
A Umbanda, seus médiuns, os espíritos
que nela trabalham e, em particular, os espíritos que trabalham na linha de Exu
são alvos de muitas críticas devido ao uso da bebida alcoólica e do fumo
durante alguns trabalhos. Essas críticas baseiam-se no conhecimento, com
o qual concordamos plenamente, de que o vício e a mediunidade responsável são
incompatíveis. Por isso, a Umbanda é comumente associada a espíritos
ainda muito apegados à matéria e/ou a médiuns despreparados e de precária estrutura
moral.
Cientes de que não é o nome ou forma
de expressão de um espírito, e sim suas obras e mensagens, que nos dá um
testemunho de sua elevação moral e, assim, cientes que espíritos de diversos
níveis podem vir a trabalhar utilizando-se do nome “Exu”, é natural que façamos
a seguinte pergunta: Como conciliar o uso de elementos materiais, como o fumo e
a bebida, com um trabalho responsável em prol da caridade, realizado por um
espírito de luz? Em outras palavras, supondo-se que o espírito de um Exu pode
ser, de fato, um espírito de alta elevação moral participando de um trabalho sério,
por que Exu fuma e bebe?
Sabemos que cada grupo de trabalho,
cada médium e cada espírito vivem em uma realidade própria e complexa; não
podemos, assim, generalizar nenhuma resposta única para essas perguntas.
Podemos, no entanto, pôr em evidência possíveis razões pelas quais uma entidade
de Umbanda, e em particular um Exu, pode se utilizar do fumo e da bebida
durante os trabalhos. Essas razões, cabe esclarecer, não são necessariamente
mutuamente exclusivas; ou seja, elas podem atuar, e muitas vezes o fazem, em
conjunto. A lista de possíveis razões que destacamos abaixo não tem a
pretensão de abranger toda a complexidade do assunto mas, esperamos, tem o
potencial de ajudar o leitor interessado a entender sua delicadeza e a perceber
que há, de fato, uma possível compatibilidade entre essa forma de expressão de
um espírito e um trabalho responsável, de propósitos elevados.
Nos caso em que o Exu é um
“Exu-de-lei”, ou seja, um espírito de moral elevada, o uso do fumo e da bebida
pode ser parte de uma necessidade específica do trabalho espiritual sendo
realizado. Essa necessidade pode ocorrer em vários níveis, nos quais
encontramos as seguintes possibilidades:
1. O Exu está participando de um trabalho no
qual está lidando com espíritos ignorantes que usam dos vícios da matéria; a
entidade usaria desses objetos para se apresentar de uma forma que facilite a
sua comunicação com e/ou seu controle sob esses espíritos ignorantes;
2. É um trabalho que necessita dos
elementos químicos encontrados no fumo e na bebida para a realização de
trabalhos de magia, nos quais as matérias física e perispiritual são
manipuladas e transformadas no ambiente;
3. O fumo e a bebida fazem parte da
caracterização da entidade e essa caracterização ajuda na comunicação entre a
entidade e consulentes que, por exemplo, associam um preto-velho que fuma
cachimbo ou um Exu que bebe bebida alcoólica como legítimos e, portanto, dignos
de confiança e respeito. Muitas vezes, mesmo pessoas cultas podem
levantar dúvidas quanto à legitimidade da comunicação mediúnica quando ela não
involve o uso desses instrumentos de caracterização da entidade (nos quais se
incluem, também, a mudança de voz ou de postura física do médium, embora esses
elementos tenham suas devidas funções, como se explicará melhor em outra
oportunidade). Essa caracterização de Exu, por sua vez, é fundamentada em
processos culturais desenvolvidos desde os tempos antigos e presentes no
surgimento da Umbanda; basicamente, o espírito de um Exu, desde então, é
caracterizado, confundido e comparado com o “diabo” apresentado pelo catolicismo
nos tempos da senzala;
4. É um trabalho que visa despertar
encarnados e desencarnados ao fato de que o fenômeno mediúnico realmente
existe; nesse caso, os espíritos bebem e fumam muito e o médium, após a
incorporação, não apresenta resquícios dessas substâncias, nem de seus efeitos,
no organismo;
5. O uso do fumo e da bebida, bem como
de vestimentas e outros utensílios, facilitam que o médium iniciante assimile a
personalidade da entidade comunicante; são, esses elementos, instrumentos
usados pela entidade para que o médium permita que a entidade se expresse sem
maior influência da personalidade do médium, já que esse se torna mais flexível
a uma realidade psíquica estranha à sua. Naturalmente, essa possibilidade
se aplica com mais eficiência nos casos nos quais o médium não se utiliza do
fumo e da bebida quando não está incorporado;
6. O uso do fumo e da bebida por uma
entidade faz parte de um resquício da maneira de trabalhar do médium, que já
vem trabalhando dessa forma há várias reencarnações; faz parte da “cultura
mediúnica” do médium: assim ele aprendeu, assim continua a trabalhar;
7. O uso do fumo e da bebida é um
resquício da maneira de trabalhar da entidade, que já vem trabalhando dessa
forma há muitos anos; faz parte da “cultura mediúnica” da entidade: assim ela
aprendeu, assim continua a trabalhar. Nesse caso, no entanto, não há o vício da
entidade, pois ela aprendeu a transformar e usar a matéria (na forma de fogo,
fumaça, álcool, etc.), desassociando energias negativas para trabalhos de
caridade;
8. O fumo e a bebida são manipulados e
utilizados pela entidade para reposição energética no médium;
9. O médium gosta de beber e de fumar
e, consciente ou inconscientemente, tem a necessidade de fazê-lo. Aí, através
do fenômeno mediúnico, ele influencia inconscientemente a forma na qual a
entidade se expressa, submetendo-a a se utilizar do fumo e/ou da bebida para
satisfazer a necessidade orgânica do médium, que, por sua vez, acha que a
entidade é quem necessita/gosta da bebida e/ou do fumo. Essa
interferência mediúnica ocorre da mesma forma no vocabulário, falhas morais, etc,
sem impedir, necessariamente, que uma entidade de luz se comunique e trabalhe
na caridade, embora essa comunicação sofra a interferência negativa do médium;
10. Em uma variação da possibilidade
descrita acima, também é possível que o médium está em um processo de resgate
cármico, e passa a usar, dessa vez para propósitos de caridade, elementos que,
em outras vidas, ele utilizou para sustentar vícios;
11. O uso do fumo e da bebida podem
ser parte de um acordo entre o médium e as entidades que trabalham com ele, o
qual foi feito antes mesmo da encarnação do médium e se relaciona às
necessidades de crescimento espiritual específicas do médium e/ou de seu grupo
de trabalho. Nesse caso, o médium e/ou as entidades assumem o compromisso de
trabalhar com esses elementos durante toda a encarnação do médium ou somente
por parte dela, por uma ou algumas das razões expostas acima. Essa
possibilidade explica em parte a variedade de formas nas quais se vê Exu
trabalhar (ou “ser cuidado”) em diferentes casas de Umbanda.
Finalmente, nos casos em que o Exu é
um exu-quiumba, o que temos é um espírito ainda preso aos vícios da matéria que
se utiliza de um médium despreparado para a extração de fluidos que saciem seu
vício momentaneamente. Em certos casos, além de saciar o vício, esses espíritos
podem se utilizar da energia contida nessas substâncias e no médium para a
realização de trabalhos de transformação e manipulação da matéria para
influenciar encarnados ou desencarnados.
Relatamos acima algumas possíveis razões
pelas quais podemos ver um espírito na forma de um Exu fumando e/ou bebendo
durante trabalhos mediúnicos. Feito isso, fica clara a importância de se
lembrar da necessidade que tem o médium de buscar e desenvolver a sua
responsabilidade e disciplina perante o mediunato. Nos casos nos quais o
uso de tais substâncias não fazem parte do programação superior para a
encarnação do médium e/ou não são componentes de um processo natural do
desenvolvimento da mediunidade, os descuidos do médium o levam a utilizar
desses vícios durante a comunicação mediúnica, o que é muito prejudicial à
entidade comunicante e ao próprio médium. Somente o equilíbrio e a segurança
possibilitarão que o médium exerça as suas faculdades sem os desequilíbrios
mencionados acima.
Infelizmente, pela falta de
consciência de que cada médium processa sua mediunidade de uma maneira
diferente do outro, por ser um indivíduo com características próprias, muitos
médiuns são levados a uma conduta perante a mediunidade que simplesmente
espelha a realidade de outro médium. É essencial que se entenda que é dentro do
coração e da mente de cada médium que a entidade comunicante encontrará todos
os requisitos necessários para o desenvolvimento de um trabalho baseado na
realidade do mediador, que segue o programa natural para o seu desenvolvimento
espiritual bem como o do grupo que o cerca.
Conclui-se, assim, que, de forma
geral, nenhuma entidade de luz no trabalho da Umbanda necessita do fumo e da
bebida no plano físico, através do médium. Isso se dá porque as entidades podem
se utilizar de outros elementos equivalentes ou podem criar esses elementos
espiritualmente, na maioria dos casos nos quais eles realmente fazem parte do
trabalho da entidade. No entanto, fica claro também que uma entidade iluminada
pode se servir de tais objetos na prática do ritual conforme a necessidade do
médium, do grupo, e do trabalho específico. Além disso, concluí-se também
que essas necessidades podem ser compatíveis com um trabalho de caridade sério
e responsável.
Fonte:
http://umbandausa.com
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