O Diabo Existe? - Um Estudo Sobre esse Assunto
As respostas bíblicas para esta pergunta são ambíguas e vagas. Isto
porque alguns defendem que a Bíblia não deve ser lida literalmente, o que dá margem
a inúmeras interpretações. Mas geralmente os cristãos (bíblicos) acreditam
piamente na existência de uma entidade que encerra em si a essência da maldade.
Sem perguntar como é possível que um ser criado santo e puro pudesse se tornar
algo completamente perverso e egoísta, saem por aí proclamando causas externas
a coisas que são da responsabilidade dos humanos.
Comecemos nossa análise pela Bíblia. É fato que o nome de Satã - e seus
supostos heterônimos - são mencionados na Bíblia. A maioria das pessoas
esclarecidas atribui isso a uma espécie de mal interior, o que me parece bem
mais coerente. Outros dizem arbitrariamente que se trata de um ser real,
existente em si mesmo e independente de nós. É interessante notar que as
menções ao Diabo, Satanás, Demônio, são abundantes no Novo Testamento, mas não
no Antigo. O tal anjo caído é citado claramente primeiro no livro de Jô. Além
deste livro, aparece também no livro de Crônicas e no livro de Zacarias. Uma
vaga aparição é aquela da serpente do livro de Gênesis e outra no livro de
Isaías. Existem referências a Satã em alguns textos apócrifos Hebreus, como no
livro dos Jubileus (entre 135 a.C a 105 a.C) e no Testamento dos Doze
patriarcas (entre 109 a.C e 106 a.C) e na literatura apocalíptica judaica.
Os cristãos se atiram numa batalha ferrenha contra Satã, mas não os
antigos hebreus. A luta dos antigos hebreus inicialmente era contra os ídolos,
não contra os demônios. E para os hebreus os ídolos eram apenas estátuas e a
adoração a eles era proibida simplesmente porque desagradava a Deus. Ao que
parece os hebreus não tinham uma noção de mal absoluto antes da era de Jó. E
por que será? Perguntaria um espírito crítico. No tempo de Jó os hebreus
estavam cativos na Babilônia e provavelmente tiveram contato com outras
culturas, como a persa, absorvendo da idéia de Ahriman, o “mal intencionado”, o
deus do mal de Zaratustra, como sendo o culpado do mal que eles estavam
sofrendo. Mas diferentemente do que é para os cristãos o Deus dos hebreus não
era um deus todo bondoso. Ele era a causa de todas as coisas, tanto boas como ruins.
Em Isaías está escrito: “eu crio a luz e a escuridão. E faço tanto o bem como o
mal. Eu, o Senhor, faço todas estas coisas” ( Is; 45.7). Assim, para os
hebreus, o demônio era como um empregado de Deus. Além do mais, a palavra
Satanás não é um substantivo próprio. Para os antigos hebreus, o tal adversário
era uma espécie de promotor com a função de acusar os réus no dia do julgamento
ou testar a fé dos humanos. Mas aqui ele não tem liberdade pra fazer o que bem
quer, ele só faz o que Deus ordena. Também o é o vocábulo grego “Diabolos”,
donde surge “Diabo” que é a maneira da qual Satã é chamado no Novo Testamento.
Esta palavra significa “acusador”, ou seja, promotor. Existem partes muito
interessantes na Bíblia que provam isto e que geralmente é negligenciada pelos
crentes. Existem claras referências a um “espírito mal da parte de Deus” (Jz
9.25, 1Sm 16.14, 18.10 e 19.9). Qual é o deus bondoso que mandaria espíritos malignos
atormentar seus filhos?
No caso da serpente do Gênesis, é provável que Moisés, o suposto autor do
Pentateuco, sequer conhecesse a lenda de Satã. Muito menos Abraão, o patriarca
do povo judeu. Se Satanás é mesmo um ser real, porque Deus esconderia esta
verdade dos seus servos mais amados? É curioso que o relato da queda dos anjos
deveria ser dito no primeiro livro, mas somente no Apocalipse de São João, o
último livro da Bíblia é que se conta, supostamente, a queda dos anjos. E é
somente neste livro que se diz que a serpente do Gênesis é o mesmo Satã.
Inspirações divinas à parte, porque parece que somente as pessoas do tempo do
apóstolo João sabiam de tal coisa? É provável que o relato do Gênesis seja simplesmente
uma fábula, já que serpente em hebraico diz-se "nahash", que é
sinônimo de "astúcia". Assim sendo pode ser que o que Moisés queria
dizer é que a astúcia dentro do homem é quem disse para eles desobedecerem a
Deus. Tudo não passa de uma sábia alegoria. Os antigos judeus não acreditavam
em um mal em pessoa.
E quanto ao Novo Testamento? Os apóstolos de Jesus dão muita ênfase ao
Diabo, até mais que a Deus. No tempo de Jesus existiam muitos dos já citados
textos apocalípticos. Nestes textos dava-se muita importância aos demônios, mas
eram apenas histórias populares e literárias. No entanto a elite judaica
assimilou muitas das crenças populares presentes nos textos apocalípticos e
incorporaram à religião, mas logo abandonou estas crenças, povo novamente Satã
como um ser abstrato, a despeito do cristianismo, que continuou batendo nessa
mesma tecla por milênios. Mas ao que parece, para os cristãos primitivos o
Diabo também era um ser abstrato, inclusive no apocalipse de São João e na
passagem da tentação de Cristo. Para Paulo de Tarso, não deveríamos confiar em
anjo algum, sendo que o Cristo já tinha vindo para ser o mediador entre os
homens e Deus, ou seja, os anjos eram totalmente inúteis. Talvez ele conhecesse
a lenda de Satã, mas não lhe dava muita importância e nem fazia distinções
entre anjos bons e maus. Somente depois que os apóstolos morreram é que os
cristãos demonizaram os deuses pagãos Asmodeu, Astaroth, Baal, Baal-Berith,
Dagon, Moloch entre outros, que para os hebreus eram apenas estátuas. Até o
deus Poseidon dos gregos foi demonizado e seu tridente, um mero instrumento de
pesca, se tornou um símbolo do Mal e os deuses pagãos foram mostrados como
demônios ou o próprio Satã tentando usurpar para si os louvores que eram de
Deus "por direito".
Para alguém que se baseia na razão para explicar a realidade fica claro
que a idéia de demônios foi absorvida pelo contato com outras culturas. Em
nenhum momento, além do livro de Jó, fala-se claramente de um "mal em
pessoa" e só uma menção ao Diabo em toda a Bíblia não é bastante para
validar sua existência. "Em nenhum momento não!", diria um crente.
"E o Apocalipse?". O trunfo dos cristãos é o texto escrito por São
João onde se fala muito sobre um tal "dragão", duas bestas e um
Anti-Cristo, que são identificados como sendo o próprio Belzebu. Conta também
um relato sobre umas estrelas que foram jogadas na terra, que os cristãos dizem
ser uma evidência da batalha no céu. Neste texto Satã é desmascarado, suas
origens e ambições são mostradas e ele é identificado com a antiga serpente do
Gênesis. E agora? Como duvidar da existência de Satã diante de
"provas" tão convincentes? Será mesmo? É interessante que o trunfo
dos cristãos se torne meu golpe de misericórdia no Diabo como é compreendido
hoje.
O que nos diz o Apocalipse?
“E viu-se um sinal no céu: uma
mulher vestida de sol, tendo a lua debaixo dos pés e uma coroa de doze estrelas
sobre a cabeça. E estava grávida e com dores de parto e gritava com ânsia de
dar à luz.
E viu-se outro sinal no céu, e
eis que era um grande dragão vermelho, que tinha sete cabeças e dez chifres e,
sobre as cabeças, sete diademas.
E sua calda levou após si a terça
parte das estrelas do céu e lançou-as sobre a terra; e o dragão parou diante da
mulher que havia de dar à luz, para que, dando ela à luz, lhe devorasse o
filho.
E deu a luz um filho, um varão
que há de reger todas as nações com vara de ferro; e o seu filho foi arrebatado
para Deus e para o seu trono.
E a mulher fugiu para o deserto, onde já tinha lugar preparado por Deus para
que ali fosse alimentada durante mil duzentos e sessenta dias.
E houve batalha no céu: Miguel e os seus anjos batalhavam contra o dragão; e o
dragão batalhava com seus anjos, mas não prevaleceram; nem mais o seu lugar se
achou no céu” (Apocalipse 12.1-8).
Este trecho causa arrepio nos cristãos e torna-se a prova definitiva da
existência de Satã e da queda dos anjos, porém eu nunca vi uma interpretação
mais irrisória em toda minha vida sobre um texto tão profundo como este. Convém
lembrar aos esquecidos que o Apocalipse é um texto esotérico, não no sentido
atual, que geralmente remete a feitiçaria e misticismo, mas no sentido que era
para os gregos. Esotérico vem de uma palavra quase homônima do grego, que quer
dizer "ensinamento reservado aos discípulos de uma escola, que não podia
ser comunicado a estranhos" (ABBAGNANO). Era, portanto, dirigido aos
cristãos e, por isso, comunicado numa linguagem que os romanos não entendessem.
Tentar interpretá-lo de maneira tão simplória é no mínimo uma sandice.
Joguemos luz, então, sobre o que diz realmente o Apocalipse. É preciso
ensinar estes cristãos a ler, para que não saiam por aí dizendo coisas que não
foram ditas na Bíblia, "pondo palavras na boca de Deus". Note que o
texto fala de um "varão", que "há de reger todas as nações com
vara de ferro". Quem seria este varão senão o próprio Jesus? Bem, isso nem
eu o nego. Note também que há um "dragão", que os crentes insistem em
dizer que é Satã, o mal encarnado. O texto fala que o dragão persegue uma
mulher para impedir o varão de nascer e depois houve uma batalha no céu. Alguém
notou algo estranho? A tal batalha aconteceu depois que Jesus nasceu e depois
até que ele morreu ("o seu filho foi arrebatado para Deus"). Se antes
de Jesus nascer e morrer Satã ainda não tinha sido expulso do paraíso, quem foi
o anjo caído que tentou Adão e Eva? Como Satã pôde ter feito isso se a ainda
não era um anjo rebelde e ainda não tinha lutado contra Deus e seus anjos?
O texto parece contraditório, mas não o é. Está em contradição apenas com
o que foi nos ensinado, com coisas que não foram ditas na Bíblia. Foi-nos
ensinado que Satã foi expulso do céu antes da criação do mundo, mas em lugar
algum da Bíblia diz isso, mas diz o contrário, que foi bem depois. Foi-nos
ensinado que o Diabo flagela pessoas no inferno, mas na seqüência o texto diz
que o dragão foi lançado na terra (Ap 12.9). Foi-nos ensinado que Satã é um ser
real, mas este texto não diz isso.
O que nos diz o apóstolo São João? Primeiramente o apóstolo nos fala em
"céu" e "terra". Mas o céu e a terra são o mesmo lugar,
pois se referem a estados de espírito. Céu é um lugar de pureza, de beatitude,
excelência, onde vivem aqueles que obedecem aos mandamentos de Deus. Distantes
da terra, que é um lugar de pecado, egoísmo, perdição, mundo sensível da
matéria, enfim, é o que chamamos de "mundano". Mas a Bíblia afirma
que ninguém está isento do pecado, por conta da desobediência dos nossos
primeiros ancestrais, nem mesmo os santos. O Dragão é o símbolo do pecado, mas
não um ser que existe independente de nós. Ele estava tanto no "céu"
como na "terra", e por estar mesmo entre os mais santos conseguiu
arrastá-los para o mundo do pecado ("sua calda arrastou após si a terça
parte das estrelas do céu -os santos-e lançou-as sobre a terra"). Note que
as estrelas a que João se refere não são anjos, caso contrário o apóstolo iria
entrar em contradição ao dizer que os anjos foram expulsos, depois da batalha,
para a terra, pois, afinal, como os anjos poderiam ser jogados na terra se eles
já estavam na terra antes da batalha?
Depois o livro diz que "Miguel e seus anjos batalhavam contra o
Dragão". Miguel, ou Mikael para os íntimos, significa "o que é igual
a Deus" em hebraico. E quem seria igual a Deus senão o próprio Jesus, o
Cristo? Provavelmente os Testemunhas de Jeová estavam certo ao afirmarem que
Miguel é o próprio filho de Deus. Depois de vencer o Dragão, Jesus, ou melhor,
Miguel o expulsou do céu. Isto quer dizer que aquele que aceitasse Jesus como
seu salvador agora estava em um céu onde não existia pecado, sendo que o Dragão
foi expulso do coração dos santos e hoje vive somente na terra, entre os
pecadores mundanos. Ao morrer Jesus venceu o pecado, na forma do Dragão,
juntamente com seus seguidores (anjos): "eles o venceram pelo sangue do
cordeiro", ou seja, Jesus já estava morto quando venceu o Dragão.
Existe ainda o enigma da mulher. Quem disse que se tratava de Maria deve
estar um pouco arraigado nos credos católicos. A mulher tinha uma "coroa
de doze estrelas", o que simboliza as doze tribos de Israel. Jesus, o dito
Messias, veio do seio do povo Judeu, simbolizado pela mulher. Depois de expulso
o Dragão perseguiu a mulher (Ap 12.13). Não conseguindo pegá-la perseguiu os
filhos dela (Ap 12.17), ou seja, os cristãos.
O Apocalipse nos de Satã e que ele foi expulso pelo "sangue do
cordeiro". Não há nenhum anjo rebelde aqui, é apenas o pecado no homem.
Ele já existia antes de Jesus vir ao mundo e é a "antiga serpente, o diabo
e Satanás". Era o egoísmo recôndito no coração do homem, que somente muito
tempo depois é que foi expulso do convívio daqueles que guardam os mandamentos
de Deus.
E quanto à tentação do deserto? Não foi Jesus, o Cristo tentado por um
Mal real? Provavelmente se tratava de um mal interno como os outros
demonstrados aqui. "Mas como?"- Perguntaria um crente-"se Jesus,
o filho de Deus não tinha nenhum mal interior para que pudesse tentá-lo?
Somente um mal exterior poderia fazer isto." Não é bem assim. A Bíblia às
vezes mostra-se contraditória e surpreendente. Veja o que diz Lucas 18; 18,19:
"E perguntou-lhe um certo príncipe, dizendo: Bom Mestre, que hei de
fazer para herdar a vida eterna? Jesus lhe disse: Por que me chamas bom?
Ninguém há bom, senão um, que é Deus."
Aqui Jesus confessa claramente que ele também tem maldade dentro de si.
Sendo assim, pode ser que fosse mesmo o mal interior de Jesus que o tentava no
deserto. Sem contar que esta passagem é um plágio descarado da tentação de
Buda. Conta a lenda que, sentado sob a árvore Bo, Gautama Sakyamuni, o Buda,
estava prestes a atingir o Nirvana quando foi tentado pelo deus Kama-Mara
(Desejo, ou Amor e Morte), para que se desligasse de sua busca. Muitos
identificam este deus com um demônio. Também Jesus foi chamado ao deserto como
uma forma de peregrinação espiritual. Não me parece que exista apenas coincidência
nestas duas histórias.
Outra parte que é citada pelos cristãos é no livro de Isaías. No capítulo
14, versículo 12 ao 15 diz:
12. Como caíste do céu, ó estrela da manhã, filha alva do dia? Como foste
cortada por terra, tu que debilitavas as nações?
13. E tu trazias no teu coração: eu subirei ao céu, por cima das estrelas
de Deus exaltarei o meu trono, e no monte da congregação me assentarei, na
banda dos lados do norte.
14. Subirei sobre as alturas das nuvens, e serei semelhante ao Altíssimo.
15. E contudo derribados serás no inferno, ao mais profundo do abismo.
Eis o trecho que suscitou incontáveis disparates. Aqui são
mostrados os motivos que levaram Satã a se rebelar contra Deus: a vontade de
receber seus louvores e ser maior que o Altíssimo. Santo Agostinho traçou o
desenho do Satã ocidental baseado nesse trecho. Milton, no seu “Paraíso
Perdido” trata-o com mais detalhes. Ambos foram cruciais para formar o retrato
do Mal encarnado. Mas o que existe aqui não é apenas um erro de tradução, mas
de interpretação. O trecho em questão fala de Nabucodonosor, rei da Babilônia,
como ele mesmo diz no versículo 4: “então, proferirás este dito contra o rei da
Babilônia e dirás:...” Infelizmente essa parte é negligenciada,
intencionalmente ou não, pelos que defendem o capítulo 14 de Isaías como uma
revelação sobre Satã. A parte que diz “estrela da manhã” é uma metáfora com o
planeta Vênus, como era conhecido por ser a última estrela – como os antigos
pensavam que era – a desaparecer quando nasce o dia. Os romanos chamavam o
planeta Vênus de Lúcifer (lux fero) e na tradução para o latim preferiram
colocar o nome do planeta/estrela, ficando “Como caíste do céu, ó Lúcifer”. Por
conta da proliferação da lenda de Satã, este trecho foi visto como uma
revelação sobre os anjos caídos e sobre o nome real de Satã: Lúcifer. Talvez o
fato de quase toda a população européia durante a Idade Média ter sido
analfabeta tenha contribuído para a cristalização de tamanha falta de bom
senso, e a dificuldade das pessoas do nosso tempo em interpretar textos tenha
feito o mito perpetuar.
Também essa história de rebelião não tem nenhuma novidade. É comum nas
religiões antigas essas lendas que relatam inimigos que tentam usurpar o trono
dos deuses. No masdeísmo, Ahura Mazda e seus imortais sagrados, uma espécie de
anjos, viva em eterno conflito com seu antípoda, Ariman e sua horda de
demônios. Na Índia havia a disputa dos Assurs, espíritos do mal que queriam
tomar o lugar dos Devas. Na mitologia nórdica quem ameaçava os deuses eram os
gigantes e na grega, os deuses viviam ameaçados pelos poderosos titãs, forças
do caos e da destruição. Assim sendo, o cristianismo apenas adaptou mitos
amplamente conhecidos para explicar a natureza do mal.
Na Idade Média esta idéia distorcida a respeito do mal se proliferou.
Pintado nos vitrais das igrejas e na imaginação do povo Satã se cristalizou.
Inspirações divinas à parte, são interessante perguntar por que os primeiros
hebreus não conheciam um perigo desta dimensão? Por que Deus só o avisou a nós,
sortudos cristãos? É evidente que o Diabo é apenas uma criação dos hebreus por
contato como outras culturas. Depois de tanto ser temido ganhou vida, corpo,
chifres e as feições do inofensivo deus grego Pã. A palavra Diabo vem do grego
"diabolos", que quer dizer "caluniador”, “acusador”. A palavra
demônio também vem de uma palavra grega, "daimóm", que quer dizer
simplesmente "espírito". Até onde sei-corrijan-me se eu estiver
errado-sequer existe uma palavra hebráica para designar uma generalidade de
entidades maléficas, vulgarmente "demônios", ou seja, eles não
existiam para os hebreus. Existe sim a palavra hebraica Shatan, donde deriva o
nome Satanás, que significa "obstáculo", "opositor",
"contraventor", ou simplesmente "inimigo" mesmo. Mas além
de não servir para outros seres, esta palavra quase não aparece no Antigo
Testamento.
Partiremos agora para o lado mais filosófico da coisa. Os epicuristas
perguntavam aos estóicos o seguinte dilema: “Por que Deus não destrói o Mal?
Deus não destrói o mal ou porque ele não pode, ou porque não quer. Se ele quer,
mas não pode então é impotente, e isto um deus não pode ser; se pode, mas não
quer é cruel, e isto também um deus não pode ser; se não pode e não quer então
é impotente e cruel; se pode e quer, o que é a única resposta satisfatória para
esta pergunta, então por que Deus não o destrói?” Tomás de Aquino afirmou que o
mal não tem uma existência real, que é sem substância, como a escuridão e a
cegueira. Estes são apenas uma privação da luz ou da visão. De que é feia a
escuridão? De nada, absolutamente. Também o mal é da mesma natureza, é apenas
uma negação da bondade, uma ausência de bem. O filósofo alemão Leibniz seguiu o
pensamento de Tomás de Aquino.
Sendo assim, se existe mesmo o tal Satã, ele foi criado por Deus e este
não poderia produzir um efeito mal, pois tudo que dele provém é bom em si
mesmo. Satã só poderia se tornar O Mal se separado totalmente de Deus e do bem.
Mas mesmo que tudo que ele fizesse fosse destituído de bondade, ele ainda seria
bom, pois foi criado por um Deus todo-bondoso. Admitir que Satã tem uma parcela
de bondade é uma heresia em religião, mas totalmente plausível se fôssemos nos
basear pela razão. Sendo assim, não pode existir um mal absoluto. Mas mesmo que
o tal anjo caído tivesse se distanciado completamente de Deus isso não
melhoraria a situação do Altíssimo. Este, sendo onisciente, saberia desde toda
a eternidade o que aconteceria se criasse Satã, saberia que ele iria se
distanciar Dele e que iria se emprenhar em afastar a humanidade do criador –
com êxito, ao que parece. Desta forma, como poderia Deus permitir estas coisas?
De fato, ele não poderia interferir no livre-arbítrio dos anjos, mas poderia
não criá-lo se soubesse o tamanho da catástrofe que isso iria causar. Também
não há como mudar o que aconteceu, pois o que aconteceu já era conhecido por
Deus desde a eternidade. Isso não condiz com a existência de um Deus
absolutamente inteligente, poderoso e bom. Se existe Satã é porque Deus quis
que ele existisse, Deus quis que ele tentasse Adão e Eva no Paraíso, Deus quis
que ele desviasse seus filhos do caminho da retidão, pois poderia ter evitado
tudo isso e não o fez.
Guaita ilustra melhor este pensamento no seu livro “O Templo de
Satã". Ele nos joga o seguinte dilema: "Espantamo-nos que os teólogos
agnósticos, que favorece tão lúgubre inépcia, mostrem-se infelizes e indignados
se um amigo de lógica inflexível encosta-o à parede e lança à queima-roupa o
capitoso dilema: Deus, o senhor diz, é todo-poderoso, onisciente, infinitamente
misericordioso e bom. Diz por outro lado que a grande maioria dos homens está
votada ao inferno... é preciso ser coerente mesmo em teologia. Então Deus quis
o mal e o inferno. É em vão que se objeta a inviolabilidade do livre-arbítrio,
pois o mau uso feito pelo homem se não foi previsto por Deus, sua onisciência
falhou; se foi previsto e não pôde ser impedido, nego seu todo-poder; se previu
e podendo evitar não o fez, contesto sua toda - bondade."
Mesmo que a Bíblia afirmasse a categoricamente a existência de Satã – o
que ela não faz, uma análise dos nos mostraria que isso é impossível. Não há
como um ser que foi criado bom e puro se tornar totalmente seu oposto. Se o mal
não é uma coisa real e Satã é puramente mal, então ele não existe. Mas se o mal
é uma coisa real, quem o criou? O Deus todo-bondoso judaico-cristão? Embora
trechos da Bíblia afirmem que sim, como em Isaías 45, 7, isso parece ser contra
o senso-comum daquilo que chamamos cristianismo. Melhor seria ignorar este
trecho e dizer que o mal foi criado pelo anjo caído. Mas se ele tivesse criado
o mal, ele seria um Criador, assim como Deus, sendo assim elevado à categoria
de um deus. O Demônio, Diabo e Satanás nada mais é que uma historinha criada
pela igreja para manipular as pessoas pelo medo, para melhor manipulá-las ou
para que elas pudessem melhor exercer seus deveres éticos por simples medo do
castigo, mas, como bem disse Bertrand Russel, “uma virtude que tem suas raízes
no medo não é muito digna de ser admirada”.
REFERÊNCIAS:
REVISTA
SUPER INTERESSNTE; Edição 174; março de 2002; editora Abril.
SUSSOL,
Max; O Catolicismo é Um Plágio?; Coleção Revelações.
GUAITA, Stanislas de; O Templo de Satã; Editora Três; Biblioteca Planeta.
ABAGNANO,
Nicola; Dicionário de Filosofia; Martins Fontes.
BÍBLIA
SAGRADA-EDIÇÃO PASTORAL.
TRADUÇÃO
DO NOVO MUNDO DAS SAGRADAS ESCRITURAS.
BÍBLIA
SAGRADA-NOVA TRADUÇÃO NA LINGUAGEM DE HOJE.
BÍBLIA
SABRADA; Sociedade bíblica do Brasil.
BLOOM,
Harold; Presságios do Milênio.
VOLTAIRE;
Deus e os Homens.
Não haveria luz se não fosse a escuridão...
“Os Espíritos anunciam que chegaram os tempos marcados pela Providência para uma manifestação universal e que, sendo eles os ministros de Deus e os agentes de sua vontade, têm por missão instruir e esclarecer os homens, abrindo uma nova era para a regeneração da Humanidade.”
Allan Kardec.
Que estudo impecável! Que maravilha..Obrigado quem estudou e dividiu esse conhecimento compartilhando aqui.Eu sempre procurei resposta para essa questão e claro, nunca satisfatória.Obrigado por me contar a verdade <3 Deus é amor <3 <3 <3
ResponderExcluir