Certa vez eu caminhava à noite por um deserto muito, mas muito frio. A temperatura estava tão baixa que eu tinha a convicção de que se ali não estivesse fora do corpo físico, já haveria "congelado" por hipotermia.
Eu caminhava sem saber nem mesmo o porquê, só sentia algo dentro de mim determinando que procedesse desta forma.
Andei até que escutei uma sonora gargalhada que vinha de uma pequena inclinação localizada a minha direita. Subi inclinação acima e dei de frente com um ser que se encontrava ajoelhado ao solo e que me fitava seriamente como se estivesse a me esperar.
Caminhei passo-a-passo na sua direção e foi quando dele escutei:
— Salve cabra, senta no chão!
— Salve senhor Exu!
Foi o que intuitiva e respeitosamente respondi enquanto me sentava no solo arenoso.
— Como vai cabra?
— Vou bem senhor Exu, na força de Deus Pai.
— Fico satisfeito em escutar isto de ti, pois o assunto desta madrugada será sério por demais.
Preparei o coração e os ouvidos por que senti que vinha "chumbo grosso".
— A conversa desta noite será breve, mas nem por isso deixará de ser séria.
— Sim senhor.
— Um médium entra pela primeira vez para a corrente mediúnica de um terreiro de umbanda e começa a exercer o divino ato de cambonar as entidades; acontece que depois de algum tempo exercendo tal tarefa este médium começou a considerar esta sublime tarefa repetitiva, está acompanhando?
— Sim senhor!
— Pois bem, devido a este sentimento de repetitividade o referido médium passou a desejar ardentemente que as entidades começassem a se utilizar do seu corpo físico e da sua mente através da incorporação. Mas como filho de umbanda não tem querer isto só começou a ocorrer dois anos após sua entrada na corrente mediúnica. Ainda acompanhando?
— Perfeitamente, senhor Exu!
— Pois saiba que algum tempo depois que as entidades começaram a incorporar no médium este passou a achar o fato delas incorporarem e ficarem quase sempre parada no mesmo lugar, e fazendo as mesmas coisas, bastante repetitivo e começou a ansiar que as entidades que o assistem nas incorporações auxiliassem nas rodas de descarrego, está entendendo?
— Estou sim, senhor Exu!
— Algum tempo depois que as entidades passaram a trabalhar nas rodas de descarrego este referido médium também começou a achar este trabalho repetitivo e passou a desejar que as entidades que o assistem prestassem consultas a assistência, ainda me acompanhando cabra?
— Sim senhor!
— Algum tempo após este período as entidades que assistem a este referido médium em suas incorporações começaram a prestar consultas para a assistência e, após algum tempo, ele passou a considerar esta também sublime tarefa bastante repetitiva e começou a ansiar por algo que ele nem sabia o que era, ainda está atento ao que digo?
— Sim senhor Exu!
— Então me permita continuar a história: o tempo passou e como já estava prescrito no desenvolvimento mediúnico do médium, ele começou a ser utilizado por seus mentores para trabalhar a favor da caridade em espírito durante as noites de sono e, após algum tempo, começou a considerar esta tarefa repetitiva, está me entendendo?
— Sim senhor!
Como o Exu calou-se e começou a fitar-me com olhos inquisidores eu perguntei a ele:
— Acabou a história senhor Exu?
— Sim!
— Posso lhe fazer uma pergunta?
— Já estava esperando!
—Eu gostaria de saber, se possível, o seguinte: porquê essa sensação de repetitividade recorrente na vida mediúnica do médium em questão?
— Por que ele se ilude querendo e ansiando sempre por um algo mais por considerar-se um iniciado.
— Meu Deus!!! Então quer dizer que este médium está sendo assessorado por espíritos mistificadores?
— Não cabra! Na verdade até mesmo um iniciado ele é, ele só precisa retomar o foco!
— Como?
— O foco cabra! Qual é o foco de qualquer tarefa, atividade ou trabalho umbandista?
— A caridade!
— Que bom você responder-me com uma afirmação ao invés de uma interrogação, pois isto significa que você não tem dúvida alguma no que diz respeito a isto.
— Mas se o senhor diz que o médium em questão é um iniciado por que também diz que ele encontra-se iludido?
— Por que toda e qualquer tarefa umbandista tem, aos olhos do Divino Criador, o mesmo valor. Não existe tarefa mais valorosa que outra: um cambone cuja meta é a caridade desinteressada está trabalhando por sua evolução o mesmo tanto que o chefe de um terreiro de umbanda se este labuta da mesma forma em favor da caridade. Você entende?
— Sim senhor!
— O valor do médium cuja entidade comanda uma roda de descarrego é o mesmo do que qualquer iniciado se ambos possuem no coração o desejo de ao próximo fazer o bem. Já estive em muitas tendas, casas, centros e terreiros de umbanda onde o valor equivocado de uma iniciação fez com que a vaidade e o inconformismo encontrassem acesso no mental e coração de muitos médiuns!
— Fazendo com que caíssem mediunicamente senhor Exu?
— Nem todos, mas fazendo com que trabalhassem com menos da metade da metade dos seus potenciais, certamente!
— Como assim?
— Imagine três operários que estão construindo uma edificação em comum.
O primeiro não sabe o que será construído; o segundo sabe somente que será uma escola e o terceiro, além de ter consigo a mesma informação do segundo operário, sabe que não só os seus filhos, mas também os filhos dos seus dois colegas estudarão gratuitamente naquela futura instituição de ensino, entendeu cabra?
— Sim senhor Exu!
— Então eu lhe pergunto: os três ganharão o mesmo salário, mas qual deles provavelmente trabalhará com maior motivação?
— É muito mais provável que seja o terceiro operário!
— Pois bem cabra, todo médium umbandista está trabalhando a favor de uma edificação denominada EVOLUÇÃO ESPIRITUAL cuja matéria-prima básica é de conhecimento de todo médium e denominada CARIDADE, você entende?
— Sim senhor Exu!
— Então responda-me por que tantos médiuns umbandistas mesmo conhecendo as verdadeiras motivações que se deve ter para freqüentar a corrente mediúnica de um terreiro quais sejam, caridade e evolução espiritual, ficam tão ansiosos por uma iniciação a ponto de visualizarem o trabalho de fazer o bem ao próximo como repetitivo se isto não ocorre ou demora para acontecer?
Pensei, pensei e pensei, mas só consegui responder:
— Não sei senhor Exu!
— Mas eu já lhe disse hoje mesmo!
— A ilusão?
— Exatamente! Muitos médiuns vêem a iniciação de uma forma que não é a real.
— Como?
— Cabra, o que é um iniciado?
— Seria alguém que sabe manipular um mistério?
— A resposta, em parte, é essa. Agora diga-me: o que é uma iniciação?
— O aprendizado de como manipular um mistério?
— A resposta, também em parte, é essa. Agora responda-me uma última questão: qual o objetivo providencial de uma iniciação e dever moral e ético de todo iniciado?
Talvez lendo os meus pensamentos e vendo que eu estava "viajando" foi que o Exu disse a mim:
— Dê-me a resposta cabra, só não se esqueça de que Deus é simplicidade, assim como as coisas dele.
Foi aí que imediatamente respondi ao senhor Exu:
— A caridade!
— Gostei de ver outra vez cabra, pois novamente você respondeu-me com uma afirmação ao invés de interrogação.
— Entendo.
— É uma ilusão um médium deixar o desejo de fazer o bem esmorecer por querer alcançar algo que os seus próprios merecimentos não lhe facultam. Por que um cambone vai ter pressa de incorporar e esmorecer no desejo de fazer o bem quando ou enquanto isto não acontece se o ato de cambonar também é caridade
— O senhor tem razão!
— Querer é uma coisa poder é outra ou, como disse Jesus, muitos são os chamados, mas poucos são os escolhidos.
— Como assim?
— O suposto médium da história que estava a lhe contar, lembra-se dele?
— Sim senhor!
— Pois eu lhe digo que ele está entediado em fazer o bem por julgar que está sendo demorada a sua iniciação. Acontece que ele mesmo está atrapalhando a sua própria iniciação por ter perdido o foco de que o objetivo principal dela é a caridade, quando este problema for resolvido a iniciação dele poderá ser iniciada.
— Entendo.
— Este Exu vê com muito desgosto quando um médium se enche de empáfia e vaidade para se dizer um iniciado disto ou daquilo. Manipular um mistério qualquer iniciado aprende, agora manipulá-lo com maestria é para poucos: muitos os chamados e poucos os escolhidos, entendeu?
— Sim senhor Exu!
— O principal objetivo na manipulação de qualquer mistério para qualquer iniciado deve ser a caridade. Na verdade entenda que há muitos seres leigos em magia, mas que manipulam certos mistérios melhor do que muitos iniciados.
— Sério?
— Certamente. Imagine um brilhante professor universitário e responda se este é ou não um habilíssimo manipulador de parte do mistério do saber?
— Meu Deus é verdade!!!
— Imagine uma excelente e devotada mãe a cuidar zelosamente de sua prole e responda se esta é ou não uma habilíssima manipuladora de parte do mistério do amor?
— É verdade senhor Exu e a lógica também é impressionante!!!
— Esta mensagem eu posso dizer que é para todos, mas como estou ditando-a a você, peço que coloque-a em prática a cada dia de sua vida: mediunidade não torna ninguém melhor e iniciação não faz ninguém evoluir se não houver a prática da caridade pois, como já disse um grande iniciado no amor e saber religioso: " fora da caridade não há salvação!"
— Estou entendendo!
— E um médium, um iniciado deve labutar para tornar-se não melhor que os outros, mas melhor que ele mesmo, pois quanto mais bem ao próximo ele equilibradamente fizer, mais ele conseguirá evoluir moral e espiritualmente em direção a Deus, entendeu?
— Sim senhor Exu!
— Então salve cabra!
— Salve senhor Exu!
Fonte http://pedrorangelsa.blogspot.com/
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