Vocês, irmãos da África, me tratam como um rei.
Como se homem e natureza fossem coisa à parte.
Como se eu não houvesse caminhado faminto e exausto
pela mesma planície do tempo.
Como se eu não houvesse resvalado nas mesmas
pedras e sufocado nos mesmos desertos sem vida.
Como se nossas tribos fossem diferentes de
qualquer outra tribo.
E nossos reinos mais ou menos ilusórios do que as
brumas que prometem chuva, e não trazem…
Vocês me saúdam como um deus, mas eu sou apenas
antigo.
Tão antigo quanto à luz que ainda hoje ilumina as
festas de suas tribos.
E traz a herança de outras moradas na noite
infinita.
Há sim, irmãos, muitas áfricas nessa imensidão…
Se sou um deus, saibam que também são!
E quando virem um de nossos irmãos suplicando por
pão e água na soleira de suas portas, ajudem-no.
Tratem-no como a um rei.
Que todos somos reis de nossa própria história.
E cabe somente a nós comandar aos exércitos da
alma.
E desbravar os territórios desconhecidos de nós
mesmos…
Se sou um deus, saibam que também sofro!
E quando ouvirem um de nossos irmãos expirando o
último tanto de ar dos pulmões, saudem sua morte.
Pois é um deus quem vai.
Mais um deus que segue seu caminho, como a água
das chuvas e dos rios…
Se sou um deus, saibam que também amo!
E quando ouvirem um de nossos irmãos inspirando o
primeiro tanto de ar nos pulmões, saúdem seu nascimento.
Pois é um deus quem chega.
Mais um deus que segue seu caminho, como as
estrelas cadentes a bailar pelas galáxias…
Vocês, irmãos da África, me tratam como um rei.
Mas em toda essa imensidão de tribos e estrelas da
noite eterna, há somente um Rei.
Aquele que é Pai e é Mãe.
Aquele que joga sua rede no rio do Cosmos, e
aguarda pacientemente.
E fisga um tanto de almas de cada vez…
Laroiê Exu Rei, Laroiê Exu Odara!
Um conto inspirado em Exu. Através de
raph em 2010.
Obs:
Acho conveniente citar um breve trecho do artigo de Marcelo Del Debbio sobre
Exu:
“Assim como
Hermes, Exu é o mensageiro dos deuses, seu poder é o de receber e transportar
os pedidos e oferendas dos seres humanos ao Orum, o Mundo dos Deuses. É o
Senhor dos Caminhos, das encruzilhadas, das trocas comerciais e de todo tipo de
comunicação. Ele representa também a fertilidade da vida, os poderes sexual,
reprodutivo e gerativo. Não podemos nos esquecer de que o sexo, diferentemente
do que os católicos e evangélicos dizem (uma coisa de luxúria, de pecado), é na
verdade um ato sagrado.
Talvez por isso, por ele ser o poder sexual, os cristãos o comparem com o
Demônio.
A origem do
mito de associação de Exu com o Diabo vem dos Jesuítas. Quando os escravos
estavam fazendo o sincretismo de suas religiões africanas com os Santos
Católicos, os Jesuítas desconfiaram que havia alguma coisa errada… nas
religiões africanas, não existe a figura do diabo, apenas de deuses com
características humanas. Então eles encontraram um símbolo fálico representando
o Exu e tiveram a “brilhante ideia” de associar o pênis ereto com o sexo
(pecado) com o diabo para completar o panteão católico.
Adicione dois
séculos de deturpação católica e (posteriormente) evangélica e temos a imagem
do Exu como ela é nos dias de hoje.
Sem falar que
normalmente a figura do Senhor Exu é colocada com chifres, rabo, pintado de
vermelho, imagem bem parecida com a que os cristãos “desenham” o Diabo… Então,
o Exu verdadeiro das religiões africanas nada tem em comum com o diabo lúdico,
e as esquisitas estátuas comercializadas e utilizadas arbitrariamente em
terreiros são frutos da imaginação de visionários que não enxergam nada além
das manifestações dos baixos sentimentos em formas deprimentes, nos seres que
lhes são afins.”
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