Há muito havíamos
aprendido a admirar aquela jovem mulher, com seus trinta e cinco anos,
aproximadamente. Havia sido campeã de natação, e agora se encontrava
profundamente enferma: diabética de difícil controle, hipertensa, obesa... Mas
nunca perdia seu otimismo, seu senso de humor, sua força interior.
Com a diabetes
avançada, sua visão foi se deteriorando e a circulação periférica se
comprometendo, até que, infelizmente, teve que amputar uma das pernas.
Mas nada disso tirava
sua força interior.
Só havia uma coisa
nela que eu não compreendia bem: ela vivia à custa de “trabalhos espirituais”
que dizia fazer para o bem de seus semelhantes. Era “mãe de santo”, como
dizemos no Brasil quando nos referimos às líderes de terreiro de religiões
afro-brasileiras. Mas era daquelas de ir à meia-noite ao cemitério levar
oferendas aos seus guias (?!?).
Um dia, pouco tempo
após ter amputado sua perna, procurou conhecido dirigente espírita de nossa
região, para uma orientação. Estávamos juntos. Era a primeira vez que a víamos
angustiada. Algo a atormentava.
Então ela iniciou o
diálogo com algumas perguntas: “Vocês são espíritas, não são? Vocês acreditam
na mediunidade, não acreditam? Vocês sabem que eu sou médium e que trabalho
para ajudar pessoas... Então, por que deveria eu parar de fazer o que faço só
porque minha mãe acha que o que faço é coisa ‘do demônio’?”.
Aos poucos
compreendemos o conflito que ela apresentava. Enferma como estava, não iria
mais poder continuar suas tarefas, que a sustentavam e lhe permitiam morar
sozinha. Teve que se amparar com seus pais, que, para sua infelicidade, eram
evangélicos. Puseram-se à disposição para acolhê-la em sua casa, mas desde que
não “mexesse” mais com “essas coisas”.
Ela queria a opinião
desse dirigente. Aguardamos, também ansioso, o que ele diria. Pensamos que se
basearia na questão da venda da mediunidade. Mas nos surpreendemos com sua
colocação, que foi muito além do que imaginávamos.
Ele disse mais ou
menos assim:
– “Minha irmã, sua
mediunidade é inquestionável e seu esforço é louvável. No entanto, só há um
problema que deve ser levado a uma reflexão mais profunda: O conhecimento da
vida após a vida física, bem como a compreensão da possibilidade da comunicação
dos Espíritos conosco, nos coloca numa condição de débito para com a comunidade
onde vivemos. O dever de ajudar aqueles que não compreendem essa realidade,
espiritualizando-os”.
“Para isso, os
Espíritos que por nós se comunicam deveriam participar desse grande movimento
de espiritualização por que passa a Terra”.
“Através de sua
mediunidade, seus guias, infelizmente, estão tornando aqueles que a procuram
mais materialistas, porque, em vez de os despertarem para a realidade da vida
espiritual, ficam ajudando-os a resolver os problemas de ordem material:
financeiros, afetivos... Muitos dos quais, movidos por ciúmes, vaidade e
egoísmo.”
E concluiu, sem
deixar margem para qualquer questionamento ou justificativas:
“Embora a senhorita
diga que faz o que faz para o bem do semelhante, na verdade não o está fazendo,
comprometendo-se, junto com esses Espíritos, com a evolução moral daqueles que
a procuram.”
A jovem mulher deixou
o ambiente um tanto constrangida, mas ciente de que teria agora de guardar suas
forças para a nova luta que se lhe apresentava.
Encontramo-la uns
cinco anos depois, quando ela já estava completamente cega. Quando a vimos,
chamamo-la pelo nome e ela, com a força que sempre caracterizou seu espírito,
reconheceu-nos pelo tom de nossa voz, e cumprimentou-nos, com muita alegria.
Disse estar se adaptando àquela situação da qual não poderia mesmo se esquivar.
Mais tarde, soubemos por conhecidos em comum que ela já tinha partido para a
pátria espiritual. Aprendemos muito com ela e com a lição deixada por aquele
dirigente sobre o compromisso do médium com a humanidade.
Por
José Antonio Vieira de Paula
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